DOIS ANOS DE VIDA NÔMADE: há um certo tédio e cansaço no ar
26 de outubro de 2019: Hoje estamos em Colle di Val d´Elsa, um belo e aconchegante burgo medieval da Toscana entre Florença, Siena e San Gimignano, celebrando, com um concerto de órgão na vizinha Siena, os nossos dois anos depois do desembarque em Lisboa.
No entanto, há um certo tédio e cansaço no ar.
Se por um lado, continuamos perambulando e buscando as belezas deste mundão infindável, por outro, temos o cansaço da própria jornada – da vida de entra-e-sai de apartamentos – e de lidar com a burocracia (des)necessária para ultrapassar barreiras e fronteiras artificialmente criadas pelo homem e poder viver livremente como animais em campo aberto.
O tédio vem do desapontamento e da repetição. Desapontamento daquela praça imperdível recomendada por uma amiga, que só foi imperdível para ela porque, em lua-de-mel, ali assistiu a um concerto numa noite de verão. Ou daquele conjunto de casas desbotadas às margens de um riacho poluído, bem diferente do colorido fantástico à beira-rio da foto da revista. Ou daquela aldeiazinha que, no nosso entusiasmo dos primeiros meses parecia mágica, e que hoje não mereceria os 100km que rodamos só para vê-la.
O conhecimento de lugares cada vez mais belos e importantes faz diminuir o interesse pelo comum. O nível de exigência aumenta. A ruína romana imperdível no início da nossa jornada passa a ser vista quase como um amontoado de pedras frente ao conhecimento de outros conjuntos que incluem até mesmo os afrescos de 2000 anos nas paredes e tetos. As incontáveis igrejas pelo caminho repetem arquiteturas e esculturas e muitas vezes acabam confundindo nomes e lugares.
É só mais um desses templos genéricos, já dizia meu filho Gabriel, depois de passarmos por dezenas de templos budistas parecidos entre si ao redor da China em 2013.
Passamos a ser mais seletivos, a escolher melhor e mais cuidadosamente lugares, cidades, monumentos, onde ir e o que pagar – dentro do nosso orçamento limitado em Reais - para ver e visitar.
É uma questão de repertório, diz Marina, ao julgar que não vale pagar para conhecer mais um museu egípcio, depois de termos conhecido o Museu do Cairo, o Louvre, o Metropolitan de NYC e tocado as pedras originais dos templos em Luxor e na Grande Pirâmide. Nessa linha, ouso acrescentar que, na minha opinião, as dimensões e o acervo da Galleria dell'Accademia de Florença só sustentam o preço cobrado na entrada pela presença do magnífico Davi, de Michelangelo.
Enquanto isso, outras obras maravilhosas, como O rapto das Sabinas, de Giambologna, Perseu, de Benvenuto Cellini (1554),e Nettuno, de Ammannati (1575) podem ser vistas em todo seu esplendor, graciosamente, ao ar livre, na não menos admirável Piazza della Signoria.
Questão de seleção e escolha.
Felizmente existem essas e outras compensações que afastam o tédio e renovam o entusiasmo: a ida ao concerto de órgão desta noite nos brindou com uma visita completa ao Palazzo Público na Piazza del Campo de Siena, e um belo passeio noturno pela cidade. Tal qual as mulheres, é somente à noite que as cidades mostram todo o seu charme e beleza.
Esta noite, embalados pela beleza e a poesia da música e da cidade, chegamos em casa renovados já pensando em estender em duas semanas esta nossa volta pela Itália. Conhecer Roma? Eu topo, diz Marina, que topa tudo com uma energia inesgotável.
É isto que nos move. A beleza, a poesia e a vontade de ir adiante em busca de novos caminhos é o que afasta o tédio e o cansaço. Mesmo que vez-em-quando precisemos, como agora, uma parada de duas semanas ao longo do caminho 😀.
Buonanotte, Colle di Val d´Elsa. Arrivederci, Colle di Val d´Elsa.
Comentários
Achei interessante esse posting do cansaco, porque quando saimos pelo mundo. Passamos 1 ano viajando (seus meses Franca , seus Italia) ficando um mes em cada lugar. E concordo, de vez em quando e bom dar um tempo num lugar, pra recarregar as baterias e comecar a apreciar o que vemos de novo. Dai escolhermos ter Portugal como base.
Boa sorte.