O ROTEIRO DO CHAMPANIQUE

Este trecho de roteiro foi escrito entre 1998 e 2000, como um relato de experiências ainda possíveis, mesmo nestes dias de pandemia.

O ROTEIRO DO CHAMPANIQUE
(ou como e onde desfrutar um champanhe como quem faz um piquenique)
Edison Pratini,1998

Desfrutar um champanhe como quem faz um piquenique é uma arte que requer uma combinação para poucos: a descontração e naturalidade de uma criança que se lambuza comendo sorvete na casquinha, o paladar apurado de quem ama refresco de iogurte num restaurante indiano, a sofisticação de quem usa envelopes personalizados e o refinamento do lacre com a inicial na sua correspondência pessoal, o gosto pelas coisas simples de quem perambula sozinho pelo campo, a capacidade de sonhar de quem deita na grama para olhar as estrelas, o romantismo de quem ceia à luz de velas, a sensualidade de quem degusta as uvas brancas de um cacho e, naturalmente, o deslumbre pelas borbulhas e uma enorme, profunda, veneração pelo champanhe!

Os que se aventuram nas delícias do champanhe tomado ao ar livre em lugares não convencionais precisam de um kit-champanhe que deve possuir, no mínimo, duas taças de cristal e um guardanapo de linho branco para guarnecer a garrafa, além do próprio champanhe. Para manter a temperatura baixa do líquido, é aconselhável incluir um balde de gelo próprio para champanhe, em prata ou aço inox. Na falta dele, apele para um dos menos charmosos baldes ou mantas que envolvem a garrafa e que, por conterem um líquido refrigerante e terem sido previamente colocados em um freezer, mantém e até diminuem a temperatura. Em casos extremos, ou em clima muito frio, pode-se dispensar o balde de gelo ou balde refrigerante, nunca as taças de cristal.

Os especialistas indicam as taças flute, cilíndricas e alongadas, como as mais adequadas para o champanhe. Recentemente apareceram no mercado taças rasas, boca larga, num design que lembra o esboço do perfil do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, obra de Oscar Niemeyer. Experimente uma dessas. Na minha opinião, embora essas taças possam deixar fugir um pouco do buquê (a preservação do buquê justificaria o uso das taças flute), têm a vantagem de ter uma forma que permite beber com mais naturalidade e elegância, são mais lúdicas porque incentivam a beber às bicadinhas e permitem servir com mais naturalidade e descontração porque não transbordam a espuma (não confunda as taças “MAC” com as antigas taças rasas e largas, com a boca levemente fechada, usadas para servir bowle, coquetel de frutas ou mesmo champanhe nas festas dos anos 50/60).



Pode-se incluir no kit-champanhe um cacho de uvas brancas que serão delicadamente soltas no líquido (aqui também as taças “MAC” são as mais indicadas, uma vez que, no champanique, as uvas devem ser pescadas com os dedos. As taças flute impossibilitam a pescaria e provocam um deselegante inclinar da cabeça para trás, quase um contorcionismo para trazer a fruta aos lábios e “bebê-la” ao último gole). Alguns preferem morangos, ao invés de uvas. Questão de gosto. Ou de jeito para pescar, beber ou brincar com a fruta. Um potinho de caviar (ou oeufs de lompes para os mais econômicos) devidamente gelado é outro acompanhamento mais que adequado para o champanhe, sendo degustado em bocados com pequenas colheres diretamente do pote ou espalhado sobre pequenas torradas. Há quem complemente o champanique com fatias finas de queijo brie ou camembert.

Novamente, questão de gosto.

Este roteiro foi elaborado como uma alternativa romântica, criativa e econômica para o ritual do champanhe. Os lugares foram escolhidos tendo em vista uma série de fatores como beleza, charme, tranquilidade, disponibilidade de local para sentar e dispor o kit-champanhe e, naturalmente, segurança, para que um clima adequado possa desenvolver-se.

Alguns dos melhores lugares para o champanique.

Alemanha: para quem gosta de viajar de carro, o sul da Alemanha tem dois dos mais belos roteiros da Europa - a Estrada Romântica e a estrada da Floresta Negra - com inúmeros lugares perfeitos para um champanique. Afora as graciosas e aconchegantes pequenas cidades e vilarejos, ao longo do caminho existem agradáveis pequenos recantos de parada, com mesa e bancos de madeira, próprios para um piquenique. Como a população alemã prefere as estonteantes velocidades das auto-estradas, estas são estradas de pouco trânsito, o que assegura sossego, tranquilidade e segurança nas paradas.

No roteiro da Floresta Negra, a minha opção para um champanique é nesses recantos à beira da estrada, lugares sob as árvores que trazem à lembrança muitos dos contos infantis, povoados de lobos, fadas, duendes e encanto. Nesse percurso, não deixe de visitar uma das inúmeras fábricas de relógios cuco por ali existentes.

Ao longo da Estrada Romântica encontram-se algumas das mais belas cidades medievais com sua deliciosa arquitetura e seus castelos. O coração do romantismo germânico está na charmosa e efervescente Heidelberg, cortada pelo rio Neckar. Mais ao sul, duas das mais perfeitas cidades medievais européias, Rothenburg e Dinkelsbuhl também oferecem praças, recantos e paisagens mais que adequadas para o champanique alemão. A minha preferência para um champanique no roteiro da Estrada Romântica começa em Heidelberg: são três horas a bordo de um dos navios que navegam pelo rio Neckar, num belíssimo passeio repleto de cidadelas, videiras e castelos.

Novas Iorque: uma ótima opção para o champanique novaiorquino é prosaica e turística a bordo de uma das charretes que passeiam pelo inigualável Central Park. Prefira um passeio no início da noite, aos horários mais tardios. À noite o parque tem menor movimento e às vezes dá uma sensação de insegurança. Mesmo no inverno é possível fazer este tipo de passeio, já que todas as charretes possuem grandes cobertores. Peça um passeio um pouco mais longo do que o normal, aconchegue-se e desfrute o seu champanhe embalado pelo suave andar do cavalo. Durante o dia, perambule um pouco pelo parque e escolha um dos inúmeros belos recantos que ali existem, feitos sob medida para o seu champanique.

Se você tiver a sorte de nevar durante a sua estada em Nova Iorque, esqueça o champanhe e, logo no início da neve, corra para o Metropolitam Museum of Art. Vá direto à cafeteria, escolha uma mesa junto à imensa parede de vidro e saboreie um café expresso maravilhando-se com a visão da neve cobrindo suave e lentamente a grama e as árvores do Central Park, enquanto os esquilos pulam e brincam nela.

Paris: não é à toa que Paris é chamada Cidade-Luz. As deslumbrantes vistas noturnas fazem um cenário perfeito para um champanique. Pode-se, por exemplo, beber um Champagne (com direito a inicial maiúscula) em frente à Catedral de Notre-Dame de Paris ou em um dos inúmeros outros recantos da Ile-de-la-Citê; ou com à vista do Túmulo de Napoleão, dos Invalides ou do Arc du Triomphe na Place de L’Étoile. A minha opção, numa noite de verão, é o gramado dos Champs de Mars, ao pé da Torre Eiffel com sua feérica iluminação e seu relógio de contagem regressiva para o fin du siécle. Durante o dia, fuja da agitação de carros e turistas e desfrute o seu Champagne ao som de uma das bandas que tocam do clássico ao folclórico e popular no Bois de Boulogne.

Porto Alegre: a Praça da Matriz, em frente à Catedral Metropolitana e ao Palácio Piratini, dogoverno estadual, é um lugar perfeito para um champanhe à noite e ao ar livre na capital gaúcha. A praça é um dos pontos mais elevados do centro da cidade e é delimitada por um conjunto arquitetônico ímpar: a Catedral, o palácio do executivo, o palácio do legislativo, o palácio da justiça e o Teatro São Pedro, obra maravilhosa do fim do século passado, restaurada há poucos anos. Escolha uma noite morna de primavera e procure um dos bancos que ficam de frente para a Catedral (o que lhe dará a segurança de estar à vista da guarda do Palácio Piratini). Prefira as horas mais tardias, quando o movimento de automóveis é praticamente nulo. Abra o seu champanhe e deleite-se olhando em detalhe esses monumentos arquitetônicos que dão à praça uma dimensão e uma escala humana (como, de resto, toda Porto Alegre). Na Porto Alegre diurna, a minha opção de local para um champanique é um dos bancos sob as árvores à margem norte do lago do Parque da Redenção. Ali pode-se desfrutar um champanhe num ambiente bucólico, de paz e harmonia, bem no meio do burburinho da metrópole.

Roma: um dos melhores lugares para degustar um champanhe em Roma é a Fontana di Trevi, após a meia-noite, quando a maior parte dos turistas já se foi. Entre 2 e 3 horas da manhã, o piso ao redor da fonte é lavado com mangueiras de alta pressão, espantando os mais tardios e deixando a Fontana só para os raros românticos mais notívagos e empedernidos. Escolha um grupo de rochas ao lado direito da fonte, recoste-se nas concavidades próprias para um relaxamento e curta o seu champanhe numa das noites mornas e estreladas da capital italiana.
Salvador: a capital baiana conta com inúmeras e belíssimas praias ladeadas por grupos de rochas onde se pode desfrutar um champanhe ao som do quebrar das ondas, com uma vista privilegiada para o mar. No entanto, para um ambiente mais intimista e para fugir do sol e do calor prefira o pequeno parque que pertence ao Solar do Unhão. À tardinha, procure um recanto sob as árvores na encosta beira-mar e desfrute o seu champanhe apreciando o espetáculo deslumbrante do sol mergulhando nas águas do mar.

São Paulo: o jardim francês do Museu do Ipiranga faz uma bela moldura para um champanique paulistano. Passeie em torno do espelho d’água e escolha um local ao abrigo dos respingos do chafariz. O museu, obra de inspiração renascentista construída entre 1885 e 1890, faz parte do conjunto do Parque da Independência, o mais histórico dos parques paulistanos, onde estão os jazigos de D. Pedro I e da Imperatriz Leopoldina. Aproveite para visitar, além do museu, a Casado Grito, o Monumento da Independência.

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